literatura e arte

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"Cuando la lectura pasa a ser parte de la vida del individuo en forma naturaly,se convierte en hábito e dificilmente se puede dejar"

sábado, 21 de dezembro de 2013

A florzinha valente

A chuva da noite castigou a terra. Relâmpagos rasgaram o céu, e trovões retumbaram com força. Açoitadas pelo vento algumas árvores quedaram ao solo, deixando suas raízes expostas. Plantas e flores foram carregadas pelas enxurradas. Galhos se partiram causando a morte de várias espécies de aves. Sobretudo filhotes. Uma florzinha vermelha viu aterrorizada suas companheiras sumirem nas águas turvas. O medo à fez se encolher sobre si e torcer para que a chuva passasse. Nascera há tão pouco tempo, e corria o risco de não assistir ao nascer do dia seguinte. Durante algumas horas ela chorou a sua sorte, esperando tristemente a sua vez de partir. Para não continuar testemunhando o extermínio ao seu redor ela fechou os olhos. Começou então a se recordar dos momentos vividos. Lembrou-se de como era bonito o nascer do sol, e do calor agradável que dele se desprendia a aquecendo, enxugando as gotas de orvalho. Recordou o trinar dos pássaros festejando o amanhecer. Da algazarra que faziam voando de uma árvore para outra. Só se aquietando quando a manhã já estava no fim, para começarem a se agitar novamente no cair da tarde. Sorriu ao pensar no amigo beija-flor que por ela se enamorara, e que costumava visita-la todos os dias para elogiar sua beleza, mas que acabou desistindo de cortejá-la por ser incapaz de ser fiel em sua admiração e não conseguir ficar muito tempo no mesmo lugar. Onde estaria ele nessa noite chuvosa? Teria sobrevivido? A madrugada foi passando devagar, e a florzinha trêmula de frio continuou com seus devaneios. Das lembranças, que, aliás, eram poucas, ela passou a fantasiar. Imaginou que era uma árvore frondosa, em cujos galhos pássaros coloridos faziam seus ninhos. Riu ao imaginar o vento fustigando suas folhas tentando arrancá-las, mas passando a diante, não conseguindo o seu intento. Chegou a sentir a chuva formando um pequeno riacho na tentativa de arrastá-la, e batendo em retirada enfurecida, ao constatar que ela, a árvore estava muito bem enraizada. Na imaginação a frágil florzinha foi árvore, pássaro, mico e em todas essas formas ela venceu a tempestade. Imaginou até que era humana, e que estava abrigada numa casa sólida e quente. Um toque suave a despertou, e ao abrir os olhos à florzinha percebeu que amanhecera e a chuva passara. O sol brilhava majestoso. Seus raios passeando pelo que restara do jardim. Feliz por ter sobrevivido à florzinha olhou ao redor para descobrir quem a despertara. Notou o beija-flor a olhando aliviado. Penalizada ela percebeu que o amigo também sofrera com a tempestade. Perdera metade das suas penas, e um dos olhos estava vazado. Quis dizer palavras de consolo, mas viu que também estava sendo analisada. Olhou para si e descobriu que tivera todas as pétalas arrancadas. Toda a sua beleza fora embora com a chuva. Um soluço a sacudiu, mas ao notar um imenso carinho na expressão do amigo, ela sorriu satisfeita. O importante é que estavam vivos e ainda tinham um ao outro. A aparência era apenas um detalhe. Vânia Lopes

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Encontro-te em meus sonhos

Quando a luz do quarto se apaga,/ banhada por uma lua pálida,/ Relaxo, suspiro, estremeço,/ do dia que acabou esqueço,/ Começo por visualizar seu sorriso,/ o olhar de menino indeciso,/ abraço capaz de me enlouquecer./ Um toque de música suave,/ o sono me chega agradável,/ estou pronta para encontrar você.

domingo, 17 de março de 2013

Memorias de uma anciã- Final

Aos quarenta anos conheci o amor. Foi a melhor sensação que tive em toda a minha vida. Como eu não podia mais cuidar da casa e meus filhos estavam crescidos. Tomei por habito caminhar pelas terras da fazenda onde morava. Havia um lugar em particular que eu apreciava. Um pequeno recanto rodeado de arvores que ocultava um pequeno riacho. Ali eu passava horas esquecida da vida, com os pés mergulhados na água cristalina. Certa tarde estava eu distraída e não ouvi passos se aproximando. Grande foi o meu susto ao ver se sentar ao meu lado na grama um sujeito desconhecido. Era um homem alto e bonito. Assustada me levantei, mas por infelicidade meu chinelo esgarranchou na grama e se ele não tivesse me amparado eu teria caído dentro do riacho. Vermelha de vergonha nem agradeci, sai correndo rumo á minha casa. A imagem daquele homem moreno porem, não saiu da minha cabeça. Dois dias depois voltei ao recanto. Esperei ansiosa ate que senti sua aproximação. Meu coração batia descompassado e quando ele me entregou uma rosa, deixei cair de tanto que minhas mãos tremiam. Ele então falou que trabalhava há pouco tempo na fazenda vizinha, e que não queria ser ousado, mas que não conseguira parar de pensar em mim, desde que me vira. Que eu era bela como a santa da folhinha que seu patrão tinha na sala. Eu que em toda a minha vida nunca recebera elogios, fiquei atordoada e feliz. Balbuciei um agradecimento e parti. Durante meses vivi essa paixão. Apesar de nunca ter sido beijada por ele, e de apenas nos darmos às mãos me sentia viva, querida. Ele era um homem sensível. Gostava de poesias e todas as vezes que nos encontrávamos lia para mim. Algumas eram tão tristes que ao ouvi-las, lágrimas escorriam pelo meu rosto. Ele delicadamente as secava com as pontas dos dedos. Tudo ia muito bem, porém comecei negligenciar minhas obrigações. Às vezes esquecia de trocar a agua das criações, lavava de qualquer jeito o chiqueiro, e por um descuido meu uma tarde, um bezerrinho escapou do cercado e foi pisoteado pelas vacas. À noite quando meu marido soube me arrastou para o celeiro e me surrou com o chicote que ele usava para bater nos animais que lhe faziam raiva. Meu vestido se rasgou com a violência dos golpes, e isso o deixou excitado. Há anos ele não me procurava, mas naquela noite ele me derrubou em cima das palhas e me usou com força. Depois de se satisfazer ele saiu e fechou a porta por fora. Fiquei trancada no celeiro durante três dias. Uma das minhas filhas trazia agua e comida que a Mariquinha mandava escondido do meu marido. Uma manha ele simplesmente abriu a porta e mandou que eu saísse, e fosse dar lavagem aos porcos. Sequer olhou em minha direção. Assim que me vi em liberdade fui ao meu refugio secreto para encontrar o meu amado. Pela primeira vez recebi seu abraço e pude perceber o quanto ele sentiu a minha falta. Por não ter me olhado no espelho, não sabia que meu rosto, o pescoço e meus braços estavam arroxeados pela surra que levei. A revolta e o ódio tomaram conta do meu amor e ele jurou matar o meu marido. Implorei para que não o fizesse, pois por pior que ele fosse, era o pai dos meus filhos. Ele então propôs que fugíssemos para longe e eu concordei. Combinamos para dali a dois dias. A expectativa de uma vida nova despertou em mim uma felicidade incontida e meu marido desconfiou. No dia marcado para a fuga esperei as meninas irem para o colégio, os garotos partirem para a roça em companhia do pai, e assim que a Mariquinha foi para a cozinha se ocupar do almoço, peguei minha pequena trouxa de roupas e corri para encontrar meu amado. Estranhei não encontra-lo sentado á beira do rio, como sempre fazia. Coloquei o embrulho no chão e me dispus á espera-lo. O barulho de patas de cavalo me assustou e antes que eu pudesse reagir, apareceram meu marido e meus dois filhos. Pela expressão de seus rostos soube que haviam descoberto tudo. Meu marido saltou do cavalo e me puxou pelo braço em direção á um grupo de eucaliptos. Ali horrorizada eu vi o homem que eu amava morto. Um golpe certeiro quase lhe decepara o pescoço. Gritei com todas as minhas forças, mas um forte soco me derrubou ao chão. Recobrei a consciência minutos depois. Eu estava de novo no celeiro, mas não estava só. Em um canto estavam meus dois filhos e na minha frente meu marido. Ele estava com uma arma apontada para mim e sorria diabolicamente. Olhei desesperada para os garotos esperando que viessem em minha defesa, mas vi em seus olhos o mesmo brilho insano que vi nos olhos do pai. Implorei por misericórdia, chorei, pedi perdão. Meu marido disse duramente que eu ia morrer. Que eu era uma vagabunda. Que ia pagar por ter sujado seu nome. Ele então deu um passo atrás e se preparou para atirar. Nesse momento a porta do celeiro se abriu e a Mariquinha entrou correndo e se colocou na frente. O barulho do tiro foi ensurdecedor e o corpo da minha rival caiu ao chão. Um urro de desespero antecedeu ao barulho do próximo disparo, e meu marido tombou também sem vida. Ele realmente amava aquela mulher e preferiu se matar a viver sem ela. Mariquinha foi seu único e verdadeiro amor. Somente ela conseguiu penetrar naquele coração repleto de maldade. Após toda aquela tragédia, vendemos a fazenda e nos mudamos para a cidade. Os meus filhos se tornaram adultos, e cada um tomou um rumo. Nunca falamos do nosso passado sangrento, mas sei que silenciosamente sempre me acusaram pela morte do pai. Tenho netos, bisnetos que não conviveram comigo e nem foram ensinados a me amar. Quanto aos meus quatro filhos, Sei que esperam ansiosos por minha morte, para venderem a casa onde moro e dividirem o dinheiro. Minha família são meus vizinhos que trazem remédio, alimento e se preocupam com essa idosa de noventa e seis anos. Quanto á mim passo meus dias cuidando de um pequeno jardim. Cada florzinha que nasce é como um novo filho que Deus me dá, e que trazem alegria á esses olhos cansados. Nunca me revoltei contra meu destino, aceito cada dia a mais de vida como um presente do meu criador.

domingo, 3 de março de 2013

Memorias de uma anciã

Os dias foram se sucedendo tristemente, e quanto mais o tempo passava eu ia perdendo meu lugar na casa e na vida dos meus filhos. Talvez pelo fato da tal Mariquinha ainda ser jovem, eles tenham se identificado com ela, mas uma coisa eu tenho que admitir. Ela os tratava muito bem. As meninas copiavam seus trejeitos, e sua maneira de vestir. Era ela quem lhes penteava os cabelos, ajudava com as lições, e ia ao portão recebe-las quando retornavam da escola. Os dois meninos, já adolescentes suspiravam quando ela saia do banho envolto em perfume. Engraçado que meu marido nunca me fez um agrado. nunca recebi de suas mãos um presente que fosse. Com ela era diferente. Era um metro de chita aqui, um vidro de colônia ali. Ela estava sempre pintada e sorridente. Era meu marido entrar em casa, e ela começava a conversar dengosamente. Ao invés de se irritar, ele a cobria de elogios. Era um arroz que estava soltinho, uma carne bem passada do jeito que ele gostava, o doce de leite igualzinho ao que a sua falecida mãe fazia. O cínico dizia entre uma garfada e outra, que ganhara na loteria. Há muito tempo eu deixara de cozinhar. Meu marido proibiu. Disse que minha comida era intragável. Que tudo o que eu punha a mão desandava. Também fui proibida de lavar suas roupas, de cuidar do jardim. Ele falou que minhas mãos ásperas só serviam para o cabo da enxada. Nossa convivência na mesma casa era o mais distante possível. Desde a noite em que eu o questionei sobre a presença da Mariquinha e que fui espancada brutalmente, passei a dormir no quarto das meninas, e ela se mudou para o nosso quarto. Quando ele falava comigo era para reclamar da horta que não estava bem cuidada, do chiqueiro sujo, dos bezerros que eu não apartara. Em algumas ocasiões eu percebia no olhar da outra, certa piedade. Principalmente quando ele me fazia largar o prato de comida e ir lavar o chiqueiro dos porcos, mesmo eu afirmando já tê-lo lavado. Não falávamos uma com a outra, nem em caso de doença. Se ela precisava de alguma coisa, pedia a algum dos meus filhos para me falar. Com o tempo deixei de odiá-la, comecei a ver como um alivio sua presença. Agora era ela quem tinha que satisfaze-lo. Eu não era mais acordada de madrugada para que ele pudesse descarregar. Não apanhava enquanto ele estava em cima de mim. Eu podia deitar na minha cama estreita e dura e dormir tranquila. Em certas noites eu escutava através da parede a Mariquinha gemendo e me perguntava; será que ele faz com ela como fazia comigo? Será que ela gostava de se deitar com ele? (continua)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Memorias de uma anciã

O ano de mil novecentos e cinquenta e dois foi muito frio e chuvoso. Foi também um dos piores anos da minha vida. Meu filho mais velho contraiu tuberculose de tanto trabalhar na friagem ajudando o pai. Depois de vários dias de febre alta, meu marido se dispôs a leva-lo ao médico. Como a situação era muito grave, o doutor recomendou interna-lo em um sanatório numa cidade serrana. Disse que o clima iria favorecer sua recuperação. Passei dois meses com ele na clínica, mas não adiantou. Meu filho não resistiu. Voltei arrasada para casa, mas não podia prever oque me esperava. Meu marido havia trazido a amante para cuidar dos meus filhos. Há muito tempo eu sabia que ele me traia, pois aos fins de semana ele sempre saia e voltava só na segunda-feira. Não me procurava mais, e quase sempre dormia em outro quarto. Essa mulher que ele trouxe para a nossa casa, não era desconhecida. Eu já a tinha visto nas raras vezes em que íamos à igreja. No dia em que retornei e a encontrei fui tomada de uma forte raiva. Ela estava sentada na varanda penteando o cabelo da minha filha caçula. Meus outros filhos estavam bem acostumados com a presença dela, e nem demonstraram terem sentido falta de mim. A dor da indiferença, misturada com a dor do luto se transformou em revolta e eu exigi de meu marido uma explicação. Cinicamente ele disse que eu estava velha, tanto para a cama, quanto para cuidar da casa e dos filhos. Que a Mariquinha estava ali para me ajudar. Que ela era moça e cheia de energia e estava se dando muito bem com as crianças. Pela primeira vez em minha vida eu ousei dizer a ele que eu não aceitaria sua vontade. Que queria a tal Mariquinha longe da nossa casa e dos meus filhos. Nem bem proferi essas palavras, ele acertou meu rosto com um soco. Senti o gosto do sangue, antes que ele me agarrasse pelos cabelos e batesse minha cabeça contra a parede. Não me lembro do resto da agressão, pois desmaiei e só voltei a mim algum tempo depois com o corpo todo dolorido, e a boca amarga. Cambaleando me encaminhei para a cozinha. A risada dos meus filhos me surpreendeu. Eles que nunca sorriam, agora gargalhavam na presença de uma intrusa. O mais surpreendente porém foi ouvir a voz em tom jovial do meu marido contando uma anedota. Em todos aqueles anos de convivência ele nunca se esforçara para agradar a mim e os filhos. Triste e humilhada retornei ao meu quarto escuro. (continua)